Continuando minha saga de ler mais clássicos, resolvi que dessa vez leria um romance das irmãs mais famosas da literatura, e, por ironia, resolvi começar por Agnes Grey, obra de Anne Brontë, a irmã menos popular. Desafiando o que a sociedade esperava de uma romancista tão jovem, Anne trazia em seus livros uma pintura muito crítica do que se passava dentro dos casarões de família, e isso fez com que muitas pessoas considerassem sua percepção do comportamento aristocrático bastante imprópria e até mesmo não condizente com a realidade, além de uma ofensa à sociedade da época.
Em Agnes Grey nossa protagonista é uma moça muito à frente do seu tempo, cujo maior desejo é ser dona de si e contribuir para o sustento da família, pois seu pai está cada dia mais debilitado. Com um espírito tenaz e muita engenhosidade, a jovem encontra na mãe o apoio de que precisava. Assim, mesmo vindo de uma família bastante amorosa e protetora, consegue autorização para procurar trabalhos como tutora de jovens aristocráticas.
Vinda de uma família respeitável e muito bem-educada, Agnes não tarda a encontrar famílias interessadas, mas de início se mostra um fracasso, não conseguindo transmitir educação e muito menos qualquer senso de autoridade aos seus primeiros protegidos. Em sua persistência e por mais “selvagens” e mesquinhas sejam suas tuteladas, encontra, no seio da família Murray, a estima que lhe faltava como tutora.
Durante a transformação de filha protegida em mulher, independente, trabalhadora e dona de si, Agnes foi apresentada a um mundo completamente diferente da bolha protetora a que estava acostumada. No vilarejo de Horton Lodge foi exposta a crueldade dos homens e a pequenez das mulheres causadoras de intrigas e invejosas entre si, ocupando a posição de trabalhadora, sentiu na pele como é ser considerada menos digna de andar lado a lado com seus empregadores e de ser ‘admirada’ pelos pretendentes das senhoritas da região.
A personagem não apresenta características para ser adorada, pelo menos não foi essa a impressão que eu tive. A narração feita em primeira pessoa, em muitos trechos, revela uma personalidade ranzinza e repressiva demais. Sempre reclamando do comportamento de suas tuteladas e até mesmo supondo o que se passava em seus corações, as irmãs Murray não parecem ser de longe tão mesquinhas e egoístas quanto Agnes presume. Mas devido ao amadurecimento visível da personagem, fui aos poucos respeitando a sua visão de filha de pastor, tão pautada no certo e errado que não admite um equilíbrio entre ambos, contudo percebi que um pouco de flexibilidade e menos rigidez teriam deixado Agnes ainda mais cativante e a leitura mais prazerosa.
Fazendo essa leitura entendi o porquê de tantos elogios ao talento e as características únicas dessa irmã que até pouco tempo era desprezada. O romance em si está longe de ser o atrativo principal, o que mais suscita prazer em acompanhar o desabrochar de Agnes é que, enquanto isso, podemos acompanhar e entender melhor o funcionamento do meio em que ela viveu – a aristocracia. Saber que a simplicidade e a primazia com que Anne Brontë caracteriza as vivências da moça são incrivelmente fiéis ao que hoje sabemos, era a sociedade da época, é lucro e uma agradável fonte de aprendizado. Agnes Grey foi uma leitura da qual ainda irão me ouvir falar muito e que passarei a indicar aos fãs de clássicos.
Fica apenas uma dúvida: qual deve ser minha próxima leitura das irmãs? Aceito dicas nos comentários.
Grande abraço!
Grande abraço!
Sobre a edição: a ilustração de capa, feita por Júlio Carvalho, segue o padrão dos outros livros da coleção “Irmãs Brontë”. A fonte, tradução e espaçamento são muito agradáveis e o trabalho de revisão, apesar de não ter sido excelente, é aceitável. No entanto, outros pontos desta edição merecem destaque, a diagramação é muito delicada e atenta para detalhes, como a folha de guarda combinando com os tons da capa e uma tipografia composta por fontes e símbolos floreados no início de cada capítulo, no sumário e em outras partes do livro que tornam a edição muito bela.
Título: Agnes Grey (exemplar cedido pela editora)
Autora: Anne Brontë
Editora: Martin Claret
Páginas: 288
Ano: 2015