Olá, pessoas. Recentemente tive o prazer de ler o livro Máquinas como eu do tão aclamado autor Ian McEwan, famoso pelo livro Reparação (que ainda não tive o prazer de ler).
Em Máquinas como eu, somos apresentados a Charlie, um cara comum, que com a venda da casa de sua mãe, recebida por herança na ocasião da sua morte, resolve comprar um Adão. Adão é um robô altamente humano, criado em uma remessa de vários Adãos e Evas, por um empresa tecnológica. E temos Miranda, vizinha de Charlie que irá se tornar namorada e também cúmplice na função de preencher a personalidade de Adão, pois ele é entregue pela fábrica com um manual de instruções de 400 páginas para serem lidas e aplicadas, a fim de desenhar a personalidade dele.
Quando a máquina é então entregue, Charlie segue as instruções de carregamento e, após um período, começa a definir a personalidade dela conforme suas preferências, porém, como estima muito sua vizinha, deixa que ela preencha a outra metade.
A partir de então começamos a acompanhar o dia a dia desses três adultos convivendo no mesmo espaço, dividindo experiências e lidando com conflitos. É sobre isso o livro. Mas não para por aí: o autor desenvolveu toda uma ideia filosófica em cima desse pequeno enredo.
Primeiro que quando menciono um robô não me refiro a máquinas como vimos nos filme Eu, robô, estou me referindo a máquinas como nós, que se parecem conosco, que tem pele quente, que tem necessidades sexuais, que entram em modo "descanso" para dormir, que falam sobre sentimentos, que são curiosos... máquinas, como nós. No primeiro momento Charlie e Miranda não conseguem levar a sério quando Adão diz que sente dor, tem medo, afinal, estamos falando de um pedaço de metal, certo?
A partir dessa ideia, McEwan desenvolve diálogos e situações que nos põe a ideia acima em prova: Máquinas podem sentir dor? Máquinas tem sentimentos? Máquinas poderiam decidir por si mesmas?
Uma coisa que Charlie e Miranda logo percebem é que o fato de terem definido a personalidade de Adão no início das atualizações pouco influenciou em seu comportamento e personalidade, pois, sendo uma criação naturalmente curiosa, Adão entra em modo de pesquisa no período que fica "dormindo" e descobre coisas e gostos por conta própria. Com isso, pega gosto por poemas e haikus, e passa a criar seus próprios.
Sabendo exatamente de onde veio e o que é, Adão se mantém em contato indireto com os demais Adãos e Evas, e percebe que infelizmente nem todos tiveram compradores decentes e nem todos possuem uma vida digna. Sendo assim, alguns resolvem cometer suicídio. Não um suicídio físico, mas sim um suicídio do software, sendo impossível de serem restaurados. Isso novamente levanta algumas questões: se não podem sentir dor, se não tem sentimentos e com isso não podem sentir a humilhação a que foram submetidos, por que aqueles robôs cometeriam suicídio?
As questões levantadas são diversas e não caberiam em uma resenha, mas o fato principal que o autor nos apresenta é: somos todos feitos de elétrons, nosso corpo produz energia, nossa alma sabe criar, nossa mente toma decisões que às vezes sabemos não ser a correta... E aquelas máquinas, criadas por nós, faziam a mesma coisa. Por que motivo elas não poderiam ser consideradas seres vivos? Confesso que após a leitura deste livro comecei a enxergar tudo de forma diferente, inclusive a olhar para os animais de uma forma ainda mais empática, visto que são seres colocados neste mundo assim como nós, e que conseguem fazer coisas incríveis as quais nós nem sonhamos... e ainda assim insistimos em nos considerarmos superiores, em dizer que somos especiais. Mas não pretendo entrar mais afundo nesse assunto.
Voltando ao livro, o autor no mostra um futuro que já é presente, que já esta acontecendo: um conhecido meu viajou ao Vale do Silício apenas algumas semanas atrás, e voltou atordoado, pois, sendo uma pessoa mais velha, disse sentir que não tem mais lugar neste mundo para ele. Nas empresas que visitou, adolescentes muito inteligentes (ele chamou de jovens gênios), criavam robôs para substituir pessoas no mercado de trabalho, assim as pessoas de verdade (nós) poderiam se dedicar aos hobbies, a viver a vida conforme desejam, enquanto esses robôs ganham o dinheiro para nós,humanos. A ideia é você comprar um robô, colocá-lo para trabalhar no seu lugar, e você receber uma remuneração pelo trabalho dele, e fazer o que quiser durante o seu dia livre. Acredito que é um futuro lindo, mas que na prática talvez apresente alguns problemas (já ouviu falar que cabeça vazia é oficina do diabo? Mas, enfim, melhor pensar nesse problema só quando (e se) ele realmente aparecer, não é mesmo?).
Outra coisa que deixou ele chocado foi que esses jovens talentos criavam carne a partir de células coletadas do sangue de animais, não sendo assim mais necessário o uso da carne do animal em si. Havia também o setor que criava carne a partir de plantas e isso o deixou ainda mais fascinado, pois não soube distinguir quando estava comendo a carne e quando estava comendo a planta. Este livro aborda exatamente isso: um futuro que já existe, mas que ainda não está acessível para nós, porém, que talvez em breve estará. Levanta questões sobre como iremos lidar com este futuro quando este der as caras, e, principalmente, nos fazer questionar os valores aplicados a algumas coisas que consideramos importantes, mas, que no fundo, não levam a nada.
Leitura mais do que recomendada.
Abraços.
Título: Máquinas como eu (exemplar cedido pela editora)
Autora: Ian McEwan
Editora: Companhia das letras
Páginas: 328