“Eu tenho a coisa certa que você precisa”.
É com essas palavras que Leland Gaunt conquista seus clientes. E, dammit!, ele sempre está certo. Ele sempre tem o que a gente precisa.
Gaunt é um comerciante que estabelece sua loja na pacata (e famosíssima) cidade de Castle Rock. Com um nome bastante interessante – Artigos Indispensáveis – ele atiça a curiosidade da comunidade local, fazendo-os entrarem na loja e por coincidência (?) encontrarem aquilo que mais desejam. Oh, mas isso não é a melhor parte. A melhor parte é o preço. “Eu sou um negociante, vamos conversar. Aposto que o que você tem na carteira pagará o valor certo pelo produto”. Leland Gaunt invade a cabeça das pessoas com produtos místicos, fazendo-as querer aquilo mais do que nunca, explorando comportamentos, temperamentos, estereótipos e necessidades; e quando eles não podem mais dizer “não”... “Mas o preço não é só esse. Para mantermos esse valor, quero que você faça um favor para mim”. E são esses favores que movimentarão o enredo.
A grande movimentação da história fica para as últimas páginas mesmo. A princípio, King nos apresenta aos personagens com uma certa monotonia que é necessária para entendermos o que são os favores que o personagem Gaunt pede. Favores esses que a gente nunca fica sabendo de imediato, óbvio. O que é suficiente para deixar o leitor curioso e não cair no sono da monotonia inicial. Mas King prova, como sempre, porque é mestre e nos dá um gostinho (de sangue.. tipo muito) do que nós veremos se continuarmos lendo.
O número de personagens do livro é bastante amplo e passa por aquela fábrica de estereótipos. Mas, mais uma vez, é uma coisa necessária, uma vez que o vilão usa desses estereótipos para as maldades que ele prega. Em algum momento podemos até confundir um personagem com outro, mas as descrições e o dia a dia deles são tão bem descritos, tão bem fundamentadas, que o excesso de personagens é uma coisa que passa batida.
Na nota da editora, a Suma nos informa que a pretensão do King era de que esse fosse o último livro ambientado em Castle Rock (o que ele não conseguiu cumprir, mas isso não vem ao caso), por isso mesmo toda a história inteira é na cidade. Logo no início ele nos afirma: “Você já esteve aqui. É claro que já esteve aqui”. Sim, my dear master, eu já estive aqui. E quem realmente já esteve aqui consegue acompanhar todas as referências que ele coloca no livro. E não só isso, mas conseguimos fazer links até com a série “Castle Rock”, produzida pela Hulu.
“Cujo” é a referência que ele faz mais explicitamente. Ele fala do famoso São Bernardo que ficou louco e matou o velho Joe Camber, da sua mulher que ganhou na loteria e sumiu e cita a estradinha no final da Rodovia 117 que leva à oficina de Joe, saindo de Castle Rock, de tal modo que podemos sentir aquela pontada de nostalgia. Além disso, a presença constante do Xerife Alan Pangborn não nos deixa esquecer da série há pouco citada. E outros personagens, como o lojista Pop Merril (que tem papel fundamental na segunda temporada da série) e seu sobrinho Ace Merril (que tem papel fundamental no livro) nos faz manter os olhos vidrados nas páginas.
A linguagem, o estilo narrativo do King são os mesmos desde sempre. É impossível dizer que há alguma alteração (com exceção da Torre Negra) em relação a outros livros. Desde o lançamento de “Carrie” até os mais recentes “O instituto” e “Com sangue”, King mantém a sua cadência, sabendo explorar a língua, os vocábulos, sempre prestando atenção para não exagerar nos advérbios; ele sabe quando fazer uma piada, sabe quando colocar um palavrão.
As temáticas exploradas por ele são infindáveis. Podemos de cara ver uma crítica ao consumismo, aquela vontade de termos uma coisa que não precisamos (tipo todos os livros do King). Fala sobre a violência, a falta de caráter, falta de credibilidade e o fato de acreditarmos em pessoas de fala mansa em detrimento de pessoas que realmente confiamos. Além disso, ele deixa muito papo aberto para falar sobre a violência contra a mulher e o fanatismo religioso.
Enfim, “Trocas macabras” é um livro que para o bom fã de Stephen King basta. Como todo livro do mestre, ele segue a linha “montanha russa”, tem seus momentos bons, seus momentos ruins, tensão, clímax e tudo o mais. Quanto ao final, sempre vai existir aquele mimimi de gente que não entende bulhufas nenhuma.
Mas eu... eu nunca critiquei.
Título: Trocas Macabras (exemplar cedido pela editora)
Autor: Stephen King
Editora: Suma
Páginas: 656
Ano: 1992 / 2020