Fala galera, hoje é dia de entrevista. O entrevistado da vez é o Víktor Wawell, autor de
Novo mundo em chamas, um dos melhores livros do que li nesse ano e que você pode conferir a resenha clicando
aqui.
Então, vamos lá.
1 - Olá Víktor, tudo bem? Poderia nos contar um pouco mais sobre você?
R - Sou um apaixonado pela gente brasileira. A música, o teatro de rua e de palco, o circo viajante, a conversa na porta de casa, dormir na rede, a mesa farta. Sempre gostei muito de ler, acabei me deparando com uma carência de livros no Brasil que fossem bem no meu gosto. Por alguma razão, os livros aqui tendem para a ficção psicológica, o que lá fora chamariam de “ficção literária”, que é um gênero de nicho lá. Por isso, tendi a ler muitos livros estrangeiros, como boa parte dos brasileiros, creio eu. O que eu mais sentia falta aqui é justamente o meu gênero preferido: ficção histórica, que é quando uma trama é ambientada em um tempo passado com algum grau de apuro. São pouquíssimos títulos brasileiros assim. Pensei: por que eu mesmo não contribuo? Foi um momento mágico chegar a esta conclusão. Além da literatura, trabalho como roteirista e diretor de vídeo.
2 - Muitos escritores geralmente sempre escreviam algo desde pequeno, um texto aqui, outro ali, até finalmente criar coragem para escrever seu próprio livro. Foi assim com você também?
R - Eu escrevi umas dúzias de contos na adolescência, era coisa de curtição, para passar para amigos no fundo da sala. Mas, para falar a verdade, não curto formatos pequenos. Acho que para acertar no coração precisa de mais tempo. É o que acontece comigo, pelo menos, salvo aquelas honrosas exceções. Por isso quase não leio contos, não assisto a filmes de curta-metragem e, no geral, prefiro músicas sem letra. Também escrevi um romance no final da adolescência. Tem alguns amigos que até hoje dizem que gostaram daquele livro. Mas eu sabia que não tinha dedicado o suficiente, por isso, depois de escrito, foi para uma caixa e nunca saiu de lá. Hoje vejo que foi uma decisão sábia. A literatura descansou por dez anos, para voltar no momento certo.
3 - Além disso, sempre temos alguém para nos inspirar, seja da família, outros escritores, outros fatores ou todos esses juntos. Então, poderia nos contar quais foram suas maiores inspirações para começar a escrever?
R - Eu sou influenciado por filmes quase o mesmo tanto que por livros. Mais do que grandes arcos narrativos ou um jeito específico de escrever, gosto de cenas. Aqueles momentos de que a gente se lembra depois de anos. O beijo na chuva. O ataque da cavalaria pesada. A despedida na estação de trem. O dinossauro comendo folhas da copa da árvore. Isso é o que me inspira. Curto muito o Tarantino, que faz cenas como ninguém. Gosto do senso de patriotismo do João Ulbaldo e do Guimarães Rosa. Eu me pauto pelo grau de precisão histórica de um Ken Follet ou um Umberto Eco. Almejo desfechos épicos como os do Tolkien. E tento trazer descrições viscerais como as do Bernard Cornwell.
4 - Seu livro é uma ficção histórica que fala sobre as batalhas envolvendo Palmares. Ficção e realidade se misturam em um só lugar. Se em um livro de outro gênero isso já demandaria pesquisa, em uma ficção histórica muito mais. No fim do livro você conta um pouco sobre suas inspirações. Mas nos conte sobre a importância que uma pesquisa bem feita tem para um livro desse na sua opinião.
R - Gosto quando uma obra de ficção histórica traz uma pesquisa apurada. Acho que é um dos prazeres do gênero. Além disso, a ficção histórica é essencial para as pessoas terem, no imaginário coletivo, uma noção do que elas são como povo. Isso é verdade desde quando os épicos eram contados em volta da fogueira. Por isso, acredito que há uma responsabilidade do autor de trabalhar com rigor e de se pautar pela verdade. No caso de tratar de feridas abertas, como é o caso de Palmares, essa responsabilidade é ainda maior. Basta ver que a figura de Zumbi, depois de mais de 3 séculos, continua a ser disputada – atualmente espalham que ele era um senhor de escravos e, por mais absurdo que isso pareça, muitos acreditam, por absoluta falta de conhecimento. Na outra ponta, existem visões romantizadas ou academicistas daquilo tudo, o que também gera enganos. Já ouvi, por exemplo, que não se pode falar que os índios comiam gente, que devemos falar em índios “antropofágicos”. Ora, antropofágico significa, literalmente, “que come gente”, só que em grego. Ou seja, vivemos uma grande confusão em diferentes níveis. Eu sempre soube que precisaria de um conteúdo sólido, assim como uma dose de coragem.
5 - E por falar em batalhas, elas são muito bem descritas. É algo que é difícil de saber exatamente como aconteceu, mas que você tenta trazer para o mais próximo da realidade. Essas foram as partes mais difíceis de escrever, ou tiveram outras?
R - Curiosa a sua observação, pois as batalhas, no geral, foram momentos que eu achei até fáceis de escrever, pois todos os personagens sabem exatamente o que querem: não morrer e vencer a batalha. Os momentos difíceis, para mim, não pela dificuldade de escrever em si, mas pelo meu estilo de entrar no ponto de vista do personagem, foram os do vilão Jeremias. Eu precisei encontrar em mim mesmo a raiva, o ódio e a ambição desmedidos, para chegar ao estado de espírito dele. Isso gerava um efeito em mim que, depois, eu precisava de um tempo para deixar ir com o vento. Sempre gostei de bons vilões, mas existe um desafio em escrevê-los de forma íntima.
6 - Os personagens são um dos pontos fortes do livro, com muita representatividade e com reflexões sobre temas que se refletem até hoje. Nos fale um pouco mais da importância desses temas nos livros.
R - Um dos baratos da ficção histórica, a meu ver, é conhecer um pouco do período, por isso eu prefiro quando o leque de personagens mostra diferentes pontos de vista. E eu procuro tratar cada um com ternura e empatia. Eu comecei a imaginar como seria a vida de uma preta de casa, de um soldado na linha de frente, de um vendedor na feira, como seriam as dificuldades de uma fuga para Palmares, a vida noturna na venda, que tipo de privilégio um senhor teria. Achei o protagonista, Ernesto, que transita nos dois mundos. Num momento, ele, habituado com os brancos, pôde fazer observações com as quais o leitor podia se identificar. Já quando ele conhece Palmares e a tribo Caeté, ele se surpreende junto com o leitor, vive aquilo com olhos de estrangeiro, o que facilita descrever esta experiência de forma vívida. Outro conceito que levo em conta é evitar reducionismos, aquelas divisões vazias às quais é tão fácil nos apegar. Para mim, cada personagem deve ser um mundo em si, herói da própria história, como é a experiência humana que todos vivemos. A maldade, por exemplo, quase sempre é praticada por pessoas comuns, dadas as circunstâncias. Assim são os fenômenos históricos. Acho que os leitores acreditam nos personagens e na trama, pois sentem que é plausível, que é assim mesmo que as pessoas iriam se comportar.
7 - Mas em compensação, quando você tem que levar um personagem dessa para melhor, você faz sem dó kkk. Muita gente reclama quando um personagem favorito morre, mas às vezes é necessário. Você vê dessa forma - que às vezes a morte de um personagem é importante para o andamento da história?
R - Pessoas queridas morrem. É o que acontece na vida real, por isso ajuda a estabelecer o realismo e a tensão nas histórias. Você percebe que naquele mundo as ações têm consequências. Também tem lado filosófico aí. É que as histórias estão presentes nas culturas humanas desde sempre, junto com outras constâncias como a pintura, a música, a dança e os nossos instintos básicos. Nada disso seria por acaso, depois de milhões de anos de evolução. Ora, se as histórias são importantes num nível bem primário, elas são importantes para quê? Na minha visão, servem para termos uma experiencia emocional e com isso nos tornarmos um pouquinho mais sábios, sem precisar quebrar a cara por aí. Por isso, eu não deixaria de fora este que talvez seja o nosso maior drama: o luto pelo outro e o medo do nosso próprio fim.
8 - Apesar de você se sair bem com as vendas do livro, ele foi lançado de forma independente. Isso aqui no país tem sido cada vez mais difícil. Poderia nos contar um pouco mais sobre as dificuldades encontradas por um autor independente?
R - A maior dificuldade de ser independente é também a grande vantagem: ter controle de tudo. Por isso, creio que seja uma questão de perfil. É necessário ter um lado escritor e outro que é gestor de si mesmo. Esses dois lados precisam entrar num acordo. Gosto de fazer em dias ou semanas diferentes, por exemplo. Ao manejar minhas horas, priorizo a escrita. Uma dica que sempre dou, por exemplo, é não exagerar na divulgação. Pode parecer um contrassenso, mas a divulgação pode ser uma forma de procrastinação e drena a energia do autor. Veja, a Clarice Lispector não tem Instagram e uma legião de pessoas procura o nome dela todos os dias nas livrarias e na internet. Essa é a força da literatura.
9 - Agora o momento spoiler. Apesar dessa parte já ter um pouco no final do seu livro, poderia nos contar mais sobre seus próximos lançamentos?
R - Em breve vai sair Guerra dos Mil Povos. O livro se passa por volta da década de 1550 nos litorais de São Paulo e Rio de Janeiro. Isso é antes de existir a cidade do Rio de Janeiro, mas já tinha um colégio jesuíta no meio de uma tribo onde hoje é o centro da cidade de São Paulo. A Baía de Guanabara era pontilhada por tribos que, não querendo ser escravizadas pelos portugueses, organizaram uma grande revolta. Foram décadas de grandes batalhas na terra e no mar, naus portuguesas abrindo fogo de canhão contra canoas indígenas, com direito a rituais xamânicos, índios comendo gente, flechas envenenadas, granadas de abelhas e táticas de guerra tão surpreendentes quanto efetivas. Grandes amores, descobertas, traições e ódios. Vamos entrar na mata e ver como esses índios viviam, o modo de pensar e com o que sonhavam, assim como os europeus nas primeiras vilas portuguesas. É um momento riquíssimo da nossa história. Estou amando aprender e escrever e sei que os leitores também vão amar! Em seguida, voltaremos a Palmares, pois aquele fogo ainda está longe de se apagar!
10 - Para finalizar, eu gostaria de agradecer e pedir que você deixasse uma mensagem para os leitores aqui do Blog.
R - Aos que acompanharam até aqui, agradeço muito a atenção e o tempo. Amei as perguntas e espero que tenham gostado das respostas! Aos que ainda não conheceram Novo Mundo em Chamas, convido-os a conhecer. Eu fico muito honrado! Me sigam e, se der, deixem um alô para mim em algum lugar da internet!
Link para compra.