1 - Olá, Sra. Kim, como você está? Poderia começar falando um pouco mais sobre você para os leitores?

R - Eu me mudei de Seoul, (Coreia do Sul), para Baltimore (Maryland) quando eu tinha 11 anos. Eu gostava muito de atuação e música no colégio e frequentei a Stanford University e a Harvard Law School, onde fui editora do Harvard Law Review. Eu tive 5 carreiras: Advogada de defesa, consultora de gestão, empresária pontocom, mãe-que-fica-em-casa em tempo integral de 3 filhos e, finalmente, escritora. Eu comecei a escrever nos meus 40, escrevendo ensaios pessoais e contos, e comecei Miracle Creek, meu primeiro romance, no meio dos meus 40. Ele foi publicado na semana que fiz 50 anos!

2 - Miracle Creek foi seu primeiro livro. Quando você decidiu que era hora de escrever um livro?

Eu realmente amei escrever ficção. Ao escrever meus primeiros contos, eu lembro de me sentir como se aquilo fosse o que eu estava procurando a minha vida toda. Algo que me deixa feliz no dia a dia (o que ser advogada, por exemplo, definitivamente não fazia) mas que também me deixa realizada de uma forma mais ampla. Eu adoro criar histórias, personagens, cenários, explorar o que as pessoas podem fazer diante de situações terríveis, e através disso, explorar meus próprios pensamentos e crenças sobre tópicos complexos. Eu fiz HBOT* (Oxigenoterapia Hiperbárica) na vida real com um dos meus filhos, e meus pensamentos voltavam para a câmera, todas aquelas famílias amontoadas nesse recipiente fechado. Eu percebi que havia muitas camadas nessa história em particular para contar em um conto, e eu pensei: por que não tentar escrever um livro, que é o passo natural para alguém tentando ser um escritor?

* Sigla para Hyperbaric Oxygen Therapy

3 - Inclusive, foi apenas o seu primeiro livro, mas você já recebeu prêmios de melhor livro de estreia. Você imaginava que teria um começo tão promissor como esse? Como você se sentiu?

R - Eu estou tão feliz por não saber disso enquanto o estava escrevendo! Eu tinha uma placa colada no escritório o tempo todo enquanto escrevia Miracle Creek. Ela dizia com todas as letras: ISSO NÃO É UM ROMANCE! Eu dizia para mim mesma que estava tudo bem experimentar escrever várias vozes de personagens diferentes, escrever um mistério sem ter ideia de quem colocou o fogo (o qual eu não sabia até mais ou menos 1 ano escrevendo o livro). Eu escrevi isso como prática. Então eu definitivamente não tinha ideia de que acabaria sendo publicado, muito menos com a editora dos meus sonhos e acabar indo bem. É tão maravilhoso saber que algo que eu não tinha expectativas no começo acabou alcançando tantos leitores.

4 - Para você, o status de melhor romance de estreia acaba colocando uma certa pressão no seu próximo lançamento?

R - Definitivamente! As pessoas falam da “maldição” do segundo livro, então eu acho que teria sentido a pressão mesmo assim, mas isso definitivamente me deixa nervosa em relação a não entregar o que as pessoas esperam, não apenas em relação a qualidade, mas também em relação ao gênero e o estilo.

5 - A propósito, pressão psicológica é algo que vemos bastante no seu livro. Com a Elisabeth nós percebemos o quanto a pressão em cima dela acaba sendo muito pesada, especialmente em relação a maternidade. Você é mãe de 3 crianças, certo? Como a pressão que as mulheres sofrem durante a maternidade foram decisivas para esse plot?

R - O extremo sacrifício parental foi algo que eu pensei bastante, tanto como criança, como adulto. Eu sou filha única, e meus pais decidiram se mudar de Seoul, Coreia do Sul, para Baltimore, Maryland, quando eu tinha 11 anos, principalmente pelo meu futuro. Quando nós chegamos na América, eles trabalharam 18h por dia, 7 dias por semana, em uma delicatessen a prova de balas em uma parte perigosa de Baltimore onde meu pai foi baleado e escapou por pouco de ser morto, tudo isso para que eu tivesse uma boa educação e fosse para um bom colégio. Eu não tenho certeza se apreciei ao máximo a extensão dos sacrifícios deles - do sacrifício parental inerente à imigração - até eu estar muito mais velha, mas eu lembro de testemunhar suas perplexidades e desconfortos com uma cultura e linguagem na qual não estavam acostumados e sentir culpa por eles terem se colocado nessa situação por mim.

Quando eu me tornei mãe, eu estava determinada a encontrar certo equilíbrio. Mas todos os meus filhos tiveram problemas e sustos médicos, e eu me vi fazendo tudo aquilo que prometi não fazer: me tornando uma mãe que fica em casa, perdendo contato com meus amigos, não saindo nunca, passando todos os meus momentos acordados com foco nos meus filhos. Meus filhos estão todos bem agora, e eu pude retomar meu senso de identidade, como uma pessoa separada e à parte da minha identidade de mãe, mas eu acho que isso é uma dinâmica que muitos pais de crianças com necessidades médicas/especiais vivenciam, e eu estava ansiosa para explorar isso através de ensaios e histórias.

6 - O autismo é outro fator discutido na história e como as famílias são afetadas por isso, especialmente as mães. Na sua opinião, como a sociedade no geral lida com essas questões e como você acha que deveria ser?

R - Eu acho interessante como as pessoas falam sobre isso, como se fosse apenas uma coisa, quando na verdade é um espectro muito mais amplo. Essa foi uma das razões de eu ter usado a história não apenas para discutir o que cada pai vivencia, mas também para colocar diferentes pais juntos em um ambiente selado onde eles são forçados a estarem juntos e ver os filhos de cada um (e também para ver a experiência de Teresa e Rosa, que tem paralisia cerebral). Na verdade, Kitty (que tem um filho que não fala de jeito nenhum e que se fere e que mexe nas suas fezes) fala de forma bem franca com a Elisabeth, que tem um filho que pode falar e é considerado "estranho" por alguns, mas está em uma sala de aula regular. Elas conversam sobre como é perigoso julgar o que os outros estão pensando, como são suas vidas, pressupor algo. Os pacientes de HBOT, é claro, julgam os protestantes* (e vice-versa).

Já quanto ao que penso, dada as terríveis consequências dos vários personagens julgando e tentando envergonhar uns aos outros, eu acho que você pode imaginar o que eu penso: Nenhum de nós pode imaginar o que o outro está passando, e não deveríamos impor nossas crenças nos outros.

Além disso, eu pretendia que este livro explorasse o sacrifício parental em seu extremo, tanto em termos de imigração (especialmente para as famílias de pais gansos**) como famílias de necessidades especiais que buscam várias terapias. O livro que estou trabalhando agora fala um pouco sobre isso também, mas pela perspectiva de irmãos/crianças.

*Aqui a autora está se referindo aos personagens presentes no livro que protestam contra esse tipo de tratamento.

** Pais que ficam em seu país de origem trabalhando enquanto sua família vai para outro país.

7 - A trama também aborda outras questões, como xenofobia e características das culturas asiáticas e americana. Que problemas e mensagens você espera que seus leitores percebam lendo o livro?

R - Quanto ao problema da hierarquia dos problemas medicinais e necessidades especiais, eu quis deixar claro que isso ainda é um problema recorrente, especialmente em comunidades rurais. E essa não é só uma questão de pessoas brancas sendo racistas, mas é mais complexo que isso, existem camas e preconceitos intra e inter raciais também. E que não é apenas uma questão de intenção racista, mas problemas logísticos como problemas de linguagem, que fazem minorias se sentirem deslocadas, como um “outro”.

8 - Você é advogada e boa parte do seu livro se passa no tribunal. Sua experiência na profissão ajudou na criação de algum personagem ou de partes do caso?

R - Definitivamente! Eu era advogada no tribunal, e eu adorava estar na corte lidando com testemunhas. Tentando adivinhar suas motivações em dizer o que estavam dizendo é tão importante quanto, como eles diziam, a psicologia da coisa. Interrogar uma testemunha hostil era definitivamente o meu favorito. Eu também adorava contar a história, seja ele escrito (breve) ou oral (como as declarações de abertura). Eu deixei a advocacia para entrar nos negócios e virei empreendedora, mas eu realmente sinto falta de praticar para o tribunal, e quando eu comecei a pensar a respeito desse romance, sobre as consequências de uma tragédia, pareceu natural estruturá-lo em um tribunal de assassinato, dada a minha familiaridade com os procedimentos da corte e minha apreciação pelo drama e das reviravoltas surpreendentes que podem surgir. Eu me divertia bastante quando sentava para escrever as cenas na corte. Eu quase me sentia de volta na corte, exceto que era muito melhor porque eu poderia fazer a testemunha dizer o que eu queria que ela dissesse - uma fantasia litigante virando realidade!

9 - Eu espero ler outros livros escritos por você. Então, eu me pergunto, você está trabalhando em algum outro livro agora? O que podemos esperar dele?

R - Eu estou trabalhando no meu segundo romance, HAPPINESS QUOTIENT. É sobre um garoto de 14 anos que não fala que vai caminhar com o pai em um parque próximo. Apenas o garoto retorna para casa. E por ele não falar, ele não pode falar para sua família ou para as autoridades o que aconteceu com seu pai. O livro é sobre a família (incluindo a mãe imigrante coreana e os irmãos gêmeos que estão em casa, vindos da faculdade) tentando lidar com a situação não só para descobrir o que aconteceu com o pai, como também para tentar proteger e se comunicar com o irmão de 14 anos que não fala. O livro será entregue à editora mais tarde em 2022, então eu espero que saia até 2023 ou 2024!

10 - Para finalizar, poderia deixar uma mensagem para seus leitores aqui no Brasil?

R - Eu espero que vocês amem a capa de O Julgamento de Miracle Creek, da minha editora maravilhosa aí no Brasil, Nova Fronteira, tanto quanto eu. Eu não tenho como agradecer o bastante a você por ler o meu livro e se importar o bastante a ponto de discuti-lo com outros. O Brasil é muito especial para mim porque minha colega de quarto no ensino médio (um internato chamado Interlochen Arts Academy) era uma violinista do Brasil. Isso foi há mais de 30 anos, mas ainda me faz sorrir ao lembrar da Tania tentando me ensinar português. Muito Obrigada!

8 comentários:

  1. O Fábio consegue ultrapassar aquele ditado: mata a cobra e mostra o resto??(não ia pegar bem o resto do ditado rs)
    Mas arrasou em trazer a entrevista dessa autora que chegou arrasando e isso logo após trazer a resenha desse livro que por mim, é muito sonhado!
    Amei saber que ela é antes de tudo, advogada e poder ter usado essa profissão, como parte fundamental na construção da história.
    Claro, o autismo e tudo que não é dito ou falado abertamente!!!
    É um livro que chegou arrasando e eu preciso urgente, ainda mais depois de agora!!!
    Mais e mais sucesso à autora e Fábio?? Sempre traga mais rs
    Beijo

    Angela Cunha Gabriel/Rubro Rosa/O Vazio na flor

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  2. Esse livro quero muito ler, ate nao sabia antes de ler a resenha, que falava sobre espectro autista um pouco, e me interesso bastante quando vejo esse assunto nos livros.
    O novo dela, já fiquei bastante curiosa também com a leitura, espero que venha em breve pra cá também

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  3. Adoro ler entrevistas com autores, elas nos lembram do quanto é importante persistir, dar ouvidos aos nossos sonhos e desejos. De que mesmo quando escrevemos apenas para nós mesmos, vale a pena.

    Danielle Medeiros de Souza
    danibsb030501@yahoo.com.br

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  4. Mais uma vez parabéns pela entrevista!
    Amei as perguntas.
    Angie parece ser um amor de pessoa

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  5. ola Fabio
    Que entrevista maravilhosa ,Parabens !o fato dela ser advogada deve dar mais veracidade ao livro.E foi tão lindo saber que há trinta anos atras ela teve uma amizade com uma brasileira.E o seu proximo livro promete ser muito bom.

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  6. Fábio!
    Quando um escritor coloca em seu livro, um pouco da realidade que vive fora da fantasia, torna o livro mais crível e atrativo.
    Gostei de ver que traz vários assuntos importantes de serem tratados, quero conferir a abordagem.
    Sucesso pra ela.
    cheirinhos
    Rudy

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  7. Olá! Eita que conhecer um pouco mais sobre o por trás da história, só tornou a leitura do livro ainda mais urgente (risos), muito legal conhecer um pouco mais da autora e de como ela usou da sua experiência pessoal para entregar uma história ainda mais verdadeira, acho que sem dúvida isso faz/fez uma baita diferença.

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  8. Gostei da entrevista, é sempre bom ver a forma que o autor escreve e como ele pensa. Isso motiva mais a leitura.

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