Coelho Maldito

A linha entre a vida e a morte é mais tênue do que acreditamos.

O primeiro livro de Bora Chung publicado no Brasil é uma coletânea de contos que giram ao redor do insólito, do medo, do amor e da morte. A autora não decepciona em nenhuma das histórias.

O primeiro conto foi meu favorito, a narrativa que dá o título da obra, Coelho Maldito, fala sobre objetos amaldiçoados e vingança. Um simples abajur de coelho é responsável por punir uma corporação, roendo e devorando tudo que importa para os donos, da mesma forma como eles roeram tudo que importava para as pessoas que exploraram.
"'Tudo que é usado em maldição deve ser bonito', era o que o meu avô sempre dizia." (p. 4)
A obra de Chung, apesar de ter temas tão variados em cada um dos contos, gira na temática da exploração, seja uma empresa em Coelho Maldito, ou nos ideais femininos da sociedade em Menorreia, e, no que para mim foi a mais cruel e forte de todas as narrativas, os filhos indesejados e os pais que não os queriam em A Cabeça.
"E o que foi que eu aproveitei, hein? Não vivi mais do que os outros e mesmo a pequena felicidade que tive foi toda destruída por sua causa, que não parou de me perseguir! Suportei até agora todo o repúdio e nojo que sentia por você só pelo fato de te vindo de mim. Agora que terminou de formar o seu corpo, não faz mais que a obrigação em desaparecer daqui, levando a culpa por ter me perseguido todo esse tempo e a gratidão por eu ter te criado." (p. 42)
Usando do surreal, do realismo mágico e do estranho, Chung me provocou sensações horríveis durante a maior parte da leitura, quando a esperança surgia era suplantada pela noção de que nenhum fantasma vingativo virá resolver nossos problemas.

A autora teceu linhas aparentemente sem conexão com cada história, para compor uma tapeçaria de agonia e tristeza. Eu não consegui ler mais que dois contos por dia, eles ficavam rodando e rodando dentro da minha cabeça.

Não posso dizer que o meu favorito foi o que mais me marcou, esse lugar coube a Menorreia, até porque eu estava menstruada enquanto lia esse, a dor, o desconforto de uma menstruação desregulada e o medo da gravidez me acompanharam durante toda a história. A cobrança para ter filhos, a necessidade de ter um pai, qualquer um que seja e o final inquietante ficaram comigo no banho enquanto tentava amenizar a cólica e pensava: Deus, eu não terei filhos, nunca!

Não tenho apontamentos negativos sobre nenhum dos contos, essa antologia não tem altos e baixos, pelo menos para mim, cada história se fixa em você te sugando e deixando as sensações horríveis da vivência social sobre seus ombros, pensando o quanto daquela fantasia é verdade.

Uma mãe pode ver sua filha como um monte de excrementos.
Filhos podem sofrer pelas ações cruéis dos pais.
Uma mulher pode perder tudo por causa do marido traidor e ainda sair de errada na história.
Uma gravidez nem sempre é uma benção.
Os fantasmas podem habitar esse mundo não por assuntos inacabados, mas por traumas, tão humanos quanto nós, apenas mortos.

Recomendo que cada leitor que ame terror, insólito e até mesmo tenha um pé no gótico, leia Coelho Maldito e desfrute da mente aterrorizante de Bora Chung.

Título: Coelho Maldito
Autor: Bora Chung
Editora: Alfaguara
Páginas: 232
Ano: 2024
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6 comentários:

  1. Uma obra forte e ao mesmo tempo aterrorizamente envolvente.
    Uma excelente pedida para quem aa contos de arrepiar

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  2. Onde escreve meu nome para ler esse livro de contos?? Eu amo sentir medo, esse incômodo que a leitura de terror nos causa. Fiquei boquiaberta com o conto da menstruação. Ow período horrível meu Pai,sim, sem contar todas as cobranças.
    Com toda certeza, vai para a lista de super desejados!!!
    Beijo

    Angela Cunha Gabriel/Rubro Rosa/O Vazio na flor

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  3. Oi, Ingrid! Impossível ler sobre os contos sem que o sentimento de assombro ganhe força diante das temáticas abordadas. E a autora soube trabalhar todos os elementos de forma que sintamos as sensações muito palpáveis. Com certeza quero conferir!

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  4. Olá
    Não curto leituras assim que ficam na mente e de maneira tão negativa , não quero ler um livro e ficar com sensações ruins,pelo menos foi o que senti ao ler essa sua resenha sobre esse conto de terror.

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  5. Ingrid!
    Sou bem fã de livros de contos e amei os temas abordados e toda sua análise e quotes.
    cheirinhos
    Rudy

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  6. Olá! Nossa eu já fiquei assustada, preocupada e horrorizada só com a resenha, pretendo passar bem longe dessa leitura (risos, de nervosos), definitivamente não é algo que desperte meu interesse, respeito (e muito) quem consegue.

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