Sobre decisões e consequências

Thriller de estreia do autor nacional Uranio Bonoldi, A contrapartida acompanha a trajetória de Octavio Albuquerque Júnior, mais conhecido como Tavinho, que logo cedo é obrigado a encontrar, em vida, forças para enfrentar a dura realidade da crueldade humana.

Acompanhamos também as dificuldades e os dilemas que um jovem adolescente encontra em seu dia a dia, e o quanto ao longo dessa inevitável jornada o aumento de suas responsabilidades é natural. Seguimos o jovem Tavinho até sua vida adulta, e traçamos uma narrativa completa sobre a trajetória de vida do personagem com base em suas escolhas.

Somos apresentados também a índia Iaúna, da tribo dos Moxiruna, que anos atrás fora trazida para morar em São Paulo com a família de Cristina, mãe de Tavinho, após o trágico massacre de sua tribo. Dona Iaúna, como é conhecida por todos, se torna governanta da casa, e cada vez mais faz parte da família Albuquerque. Além de nutrir um carinho muito grande pelo jovem garoto, também se estabelece como a figura familiar que faz e fará de tudo para fazê-lo feliz.


Assim como diz todas as premissas que envolvem este livro, ele trata-se de um thriller sobre o poder e as consequências de uma decisão. 

O autor aborda a ideia de que cada escolha que fazemos, por menor que seja, possui de forma inerente o poder de trilhar um caminho correlacionado a ela. O que faz com que decisões equivocadas possam resultar em sérias consequências, sempre de magnitude relacionada às ambições embutidas nos desejos iniciais.

Minha experiência com o livro foi um tanto quanto incômoda, pois, apesar da premissa no mínimo intrigante, seja por não nos dizer muito, ou por nos entregar de bandeja a moral da história, me deparei com diversas inconsistências durante a leitura que naturalmente me distanciaram dela, e facilitaram muito com que eu simplesmente não me importasse mais com as personagens retratadas.



O autor possui uma narrativa descritiva de forma que antecipa, e praticamente nos indica as impressões que devemos ter ao ler a próxima sequência de diálogos, o que em alguns momentos fez com que eu me sentisse forçado a comprar uma ideia, sem ao menos ter a possibilidade de interpretar quais eram, afinal, as capacidades de persuasão daquelas personagens. O que em alguns casos também me soou um tanto redundante, já que logo em seguida tudo aquilo que havia sido explicado, através de adjetivos, seria desenvolvido por meio da interação de personagens em determinadas situações.

Até este ponto, meu incômodo com a leitura me parecia apenas importunação de minha parte, mas foi então, ainda no início do livro, que me deparei com alguns outros detalhes narrativos que por diversas vezes me fizeram questionar o motivo de terem sido utilizados de tal forma. Exemplos como: descrição de fluxos de pensamentos das personagens de uma forma tão engessada e teatral que obviamente não acontece naturalmente, alguns diálogos que parecem não relacionar-se com as respectivas idades das personagens, bem como diálogos utilizados para descrever ou apresentar alguma situação ou objetos em específico de forma desnecessária, tornando-os claramente forçados. A sensação aqui chegou em alguns instantes a ser de que talvez o autor tenha subestimado a capacidade de percepção de seus leitores com relação ao mundo que ele criou.

Ainda assim, até este ponto, ainda creio que toda esta estrutura crítica possa apenas ser algo que particularmente tenha me inquietado. Entretanto, conforme a trama é desenvolvida, detalhes da construção lógica do enredo e das personagens podem ser facilmente questionados. 


Tratando-se especificamente das tomadas de decisões, creio que as motivações sejam contraditórias em alguns momentos, pois enquanto as motivações pessoais e emocionais são profundas e potencialmente fortes, as motivações sociais soam um tanto quanto pífias demais perante ao sacrifício necessário, ainda mais se levarmos em consideração a maturidade das personagens nos determinados estágios da narrativa em que as escolhas serão feitas.

Já sobre as personagens e o mundo criado por Bonoldi, é possível enumerar um bocado de situações em que facilitações narrativas são utilizadas a fim de fazer com que a trama avance e chegue até o próximo ponto de virada. Claro que quanto a isso podemos, sim, dizer que existe licença poética e dentro da literatura, as personagens não possuem limites para seus feitos, e é mais que natural que muitas ações sejam aceitas pelo leitor e, enfim, passem despercebidas. Mas isso só funciona quando o contexto faz sentido com que esta ação seja apenas mais uma das boas características das personagens envolvidas, o que não acontece quando claramente há uma farsa tamanha nestes atos, que nem dentro da própria trama fictícia faria sentido.

Leitores mais obstinados do gênero irão facilmente juntar as peças do quebra-cabeças de forma precoce, talvez até antes da metade do livro, e traçar a linha até o derradeiro desfecho que chega, tardiamente, nas últimas trinta páginas. 


O autor encerra a jornada de Tavinho deixando algumas pontas soltas e inserindo outras que não fazem muito sentido, contudo, é mérito dizer que o conflito final é crucial, intenso e apreensivo, e, além de tudo, ele soube guardar uma boa carta na manga para ser utilizada nos acréscimos finais do segundo tempo, à lá Sexta-feira 13 (1980).

De um modo ou de outro, A contrapartida, devido a algumas pontas soltas e desencontros narrativos, poderá não agradar alguns fãs do gênero, mas é fato que possui, sim, uma trama intrigante, que poderá agradar e até surpreender a muitos, em grande parte por sua cena final que vale pelo livro todo, e pela mensagem moral apresentada na obra.

 

Título: A contrapartida (exemplar cedido pela editora)
Autor: Uranio Bonoldi
Editora: Valentina
Páginas: 336
Ano: 2019

20 comentários:

  1. Achei ele interessante por gostar desse tipo de narrativa e já faz tempo que não leio nada assim. Acho sempre muito bom quando pegam algum tema que faz pensar, tipo isso de cada escolha levar a alguma coisa, as consequências e etc. Parece ter umas coisas que não ajudam tanto é na narrativa. Aquele negócio de personagem padrão ou vilão pensando em coisas pra fazer e um troço que soa clichê e caracterizado sabe? Isso me incomoda muito em livro assim. Quando enrolam com pensamento que não precisa ou pintam demais uma ideia e coisa do tipo...ah, desanimo. No geral parece uma história interessante, mas acho que leria com uns bons receios.

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    1. Olá, Cris!
      Esses pontos que citou são bem importantes neste tipo de leitura sim, mas de todo modo é uma leitura válida, pois mesmo que no fim o saldo não seja positivo, dele tiramos algo bom.

      Até mais!

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  2. Olá!
    Eu no momento estou gostando bastante de Thriller, ainda mas me deixa bastante curiosa por tudo que acontecerá. Esse livro me deixou bastante curiosa, ainda mais por envolve consequências das decisões.

    Meu blog:
    Tempos Literários

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    1. Olá!
      Thrillers são ótimos justamente por nos manter presos a leitura, sempre em busca de solucionar o caso. Sendo assim, é bem possível que você encontre em A Contrapartida uma leitura interessante.
      Leia assim que puder e volte para nos contar o que achou!

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  3. Não curto muito o gênero mas gostei muito dessa premissa. Essa coisa das consequências dos nossos atos foi muito interessante de se colocar, acho que leva até o leitor a refletir sobre suas próprias decisões. Por outro lado acho que o gênero merece uma pegada mais misteriosa e quando o autor nos obriga a comprar uma ideia realmente acaba tirando o prazer da leitura.

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    1. Olá!
      A premissa deste livro é muito interessante mesmo, e com toda certeza o gênero merece um ar de mistério que mantenha o suspense. Sobre os pontos a melhorar, creio que o autor irá aprender muito com eles e certamente os desenvolverá melhor com o tempo.

      Até mais!

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  4. Douglas!
    Cada vez mais me admiro com nossos autores nacionais.
    Amo thrillers e esse parece que prende do início ao final.
    Gosto quando o livro mostra o passado para que possamos entender tudo que acontece no presente do enredo.
    E quando há a questão moral envolvida, que nos faz questionar determinadas atitudes e como reagiríamos se fosse conosco. Imagino que a visão empresarial de palestrante do autor, soube colocar direitinho esses fatos ao livro.
    cheirinhos
    Rudy

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    1. Olá, Rudy!
      Com toda certeza toda a experiência do autor no ramo empresarial o ajudou no desenvolvimento da história, e provavelmente foi o que o garantiu a ideia inicial.
      Faça o teste com essa leitura e depois nos conte o que achou!

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  5. Oi, Douglas!
    Sou uma leitora de livros nacionais e costumo ler thrillers, mas apesar disso até hoje não teve um livro nacional desse gênero que me deixasse empolgada para ler, e isso também aconteceu com A Contrapartida, não me interessei pela trama, sem falar que acho muito negativo narrativa descritiva que indica as impressões sendo que logo em seguida tudo é explicado novamente na próxima sequência de diálogos, geralmente eu me canso bastante com livros narrados dessa forma... por isso dificilmente eu leria esse livro mas desejo sucesso ao autor. Abraços!

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  6. Oi, Douglas!
    Sou uma leitora de livros nacionais e costumo ler thrillers, mas apesar disso até hoje não teve um livro nacional desse gênero que me deixasse empolgada para ler, e isso também aconteceu com A Contrapartida, não me interessei pela trama, sem falar que acho muito negativo narrativa descritiva que indica as impressões sendo que logo em seguida tudo é explicado novamente na próxima sequência de diálogos, geralmente eu me canso bastante com livros narrados dessa forma... por isso dificilmente eu leria esse livro mas desejo sucesso ao autor. Abraços!

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    1. Olá, Any!
      Sim, infelizmente esse ponto enfraquece a leitura mesmo. Mas este foi o primeiro trabalho do autor, e creio que ele se desenvolverá muito em suas próximas obras ainda.

      Até mais ♥

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  7. Como sou fã assumida da nossa literatura nacional, fico imensamente feliz quando novos talentos são apresentados assim!
    Namoro este livro desde que o vi pela primeira vez, capa sensacional e a princípio, cheguei a comparar o enredo com do Raphael Montes(meu escritor nacional favorito)
    Mas acredito que tenha sido apenas uma leve impressão minha, já que parece que tudo é exatamente o contrário..rs
    Ah, adorei o jogo de imagens com o livro e mesmo com estes pontos negativos, quero demais conhecer a história de Tavinho!
    Beijo

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    1. Olá! É muito bom ter pessoas como você que apreciam e dão valor a literatura nacional! Eu particularmente preciso conhecer mais coisas, Raphael Montes inclusive. Um dos próximos que irei encarar será o Ultra Carmem de Cesar Bravo.
      Claro, super acho que você deva ler A Contrapartida para conhecer a história e forma de escrita do autor sim, afinal, a resenha nada mais diz do que minhas percepções frente a minha experiência com a obra, e a sua pode ser totalmente diferente.

      Muito obrigado! ♥

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  8. Confesso que a premissa não chamou tanto a minha atenção, não leio muitos livros desse gênero. Eu até curto livros que nos apresentam uma mensagem moral, porém não sei se A Contrapartida vai funcionar para mim. Não me animei muito não.

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    1. Olá! Olha que engraçado, comigo foi ao contrário. Me animei muito com a premissa, mas não gostei do desenvolvimento haha acontece né?!

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  9. Oi, Douglas!!
    A premissa do livro promete um thriller maravilhoso que te prende de inicio ao fim, mas parece que não é bem isso que essa história vai nos trazer. Mesmo assim o livro parece ser bem interessante.
    Bjoss

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  10. Olá, Douglas
    Amo thrillers! Fico muito feliz que a literatura nacional esta crescendo.
    Gostei muito do enredo do livro, mas como você disse o que salva é os momentos finais do livro. Mas parece uma leitura fascinante, quero poder conferir.
    Beijos

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  11. Olá! Me deparei com esse livro em outro blog e confesso que fiquei bem dividida em relação a premissa, sem falar que fiquei foi enjoada com algumas partes da história (tenho o estomago fraco). Dai não sei o que vai falar mais alto, minha curiosidade ou os meus receios (risos).

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  12. Gosto sempre de ver publicações de autores nacionais. Acho importante valorizarmos a literatura nacional. Mas, esse livro não chamou a minha atenção. Achei a sinopse confusa, a capa horrorosa (parecendo filme de terror B). E a resenha (muito boa, por sinal) não me instigou a ler o livro.

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  13. Mesmo gostando muito dos autores nacionais, nem todos me agradam e esse é um dos livros que não chamou minha atenção, achei um pouco confuso e assim não da para ler até o final.

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