Já tinham me avisado que o livro da Mayra seria impactante e difícil, mas eu não imaginei que a forma como ela decidiu contar essa história fosse ser tão incrível e triste como foi. O livro na verdade é uma novela de menos de cem páginas, que eu leria tranquilamente em um dia só. Porém, demorei três, porque parei um pouco e refleti sobre o que estava lendo.

Camila tem doze anos quando vai passar uns dias na casa da tia, irmã da sua mãe. Sua avó faleceu em Portugal, e sua mãe precisa ir resolver questões em outro país. Ela sente falta da sua mãe, elas são bem próximas, mas entende o que aconteceu e que infelizmente sua mãe não têm condições de levá-la, e fica animada para ficar uns dias com sua tia, tentando acreditar que a experiência será legal.

Sua tia é casada e tem uma filha, mas essa filha fugiu de casa há bastante tempo e nunca se descobriu nada sobre ela. A casa da sua tia é muito diferente, sua tia mesmo é muito diferente da sua mãe, é rígida e tem várias proibições. Mas o seu tio não. Ele é legal, divertido, mostra a biblioteca da casa e diz que ela pode ler o que quiser. É mais fácil conversar com ele, apesar de se sentir estranha na sua presença às vezes. A forma como ele olha para ela, as coisas que diz confundem sua cabeça de criança.

Ela tenta se acostumar com a saudade da mãe, faz amizade com a vizinha. Nós temos a construção dessa amizade de criança acontecendo, as vezes que Camila lembra do pai que já faleceu com carinho. Também temos um vislumbre da sua cultura indígena e de como ela se sente com isso, como é algo que faz parte dela. Mas também temos a Camila entendendo que os olhares que seu tio lhe dá e a forma como ela se sente perto dele são erradas e estão ligadas ao desaparecimento da prima.
"Quanto mais eu pensava em como explicar aquelas marcas, mais questionava quem acreditaria em mim."
A forma como a Mayra decidiu contar essa história é genial. Eu não peguei de primeira, mas quando entendi, foi chocante. Mesmo sabendo o que vai acontecer, você não percebe quando acontece. Quer uma analogia melhor? Além de ser muito bem feito, e não ter nenhuma cena explícita, ela consegue passar com perfeição o sentimento de medo, angústia, nojo e culpa que Camila sente. As analogias feitas aqui são impecáveis, o desespero da Camila de entender o que está sendo feito a ela, a forma como ela não consegue pedir ajuda, a forma como quem deveria protegê-la não acredita nela, a culpa e o medo que ela sente todos os dias em uma casa que deveria ser uma diversão.

É desesperador, angustiante e triste. A história intercala passado e presente de uma forma bem interessante, e acompanhamos a Camila adulta na mesma casa que traz tantas lembranças ruins, tentando se aceitar e se desculpar, e a Camila criança vivendo o horror. O livro nos mostra bem que os monstros estão em todos os lugares, vestidos de todos os jeitos. Que é preciso estar atento, escutar, desconfiar. E mostra principalmente que superar pode ser possível e que se perdoar é necessário. A culpa nunca é da vítima. E ponto. Se já passou por algo assim e tem essa dúvida, o livro deixa claro a resposta, e eu também quero falar para você: a culpa não é sua.

Só posso imaginar o quão difícil deve ser sido escrever essa novela, e espero que ela toque seu coração como tocou o meu.

*gatilhos de abuso sexual infantil e abuso psicológico.

Título: O que encontramos nas chamas
Autora: Mayra Sigwalt
Editora: Independente
Páginas: 94
Ano: 2021
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10 comentários:

  1. Aquele tipo de resenha que a gente já termina ela criando mil teorias do que pode ter acontecido a Camila e torcendo para que não seja o que a gente pensa em primeiro lugar.
    Como não conhecia o livro, já vai pra listinha de desejados com certeza, pois mesmo sendo tão curtinho, carrega uma gama de sentimentos e eu amo isso, mesmo sabendo que vai doer ao ler!
    Beijo

    Angela Cunha Gabriel/Rubro Rosa/O Vazio na flor

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  2. Desde que a mayra lançou essa novela, fiquei bastante curiosa pra ler devido ao que ela ja dizia sobre e as resenhas q vieram depois. Acho que vai ser impactante mesmo.
    Ainda n tenho kindle, e nao gosto de ler pelo celular, espero conseguir um kindle esse ano pra ter acesso aos ebooks

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  3. Quando li sobre o tio logo desconfiei sobre o que poderia ser e logo meu coração ficou pequenininho por Camila.
    A autora foi delicada e sensível ao contar o que aconteceu com Camila sem ser explícita

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  4. Caramba, só de imaginar que um livro tão curto demorou tanto tempo me faz realmente crer que ele é impactante! Também sou assim, às vezes preciso parar, entender até o momento, criar expectativas e ideias, pra depois continuar a leitura. Além disso, gosto muito de livros que trazem o passado e o presente alternados.

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  5. Já desconfiava do que se tratava quando ela você resenhou sobre o desaparecimento da prima da Camila.
    Infelizmente essas coisas horrorosas acontecem e deve ser doloroso náo ter com contar.
    Deve ser uma leitura bem impactante mesmo a autora trazendo esse enredo difícil com muito cuidado .Mas sabemos do que se trata e isso por si só já é bem difícil de digerir .

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  6. Je!
    Você soube usar do mesmo artifício da autora, eixando tudo apenas subentendido.
    Embora no final tenha deixado claro que tem gatilho para abuso psicológico e infantil.
    Deve ser uma história tremenda de se acompanhar, embora dolorosa e triste.
    cheirinhos
    Rudy

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  7. Olá! Uau, impressionada que em tão poucas páginas a autora consegue nos passar uma história tão forte, triste, chocante e revoltante e só de imaginar que infelizmente essa é a realidade de muitos por aí afora fica ainda mais indigesto.

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  8. Oiii,
    Já tinha visto esse livro, mas não procurei em saber sobre sua história. Ao ler a resenha aqui fiquei um tanto curiosa e com vontade de ler.. vou já até anotar na listinha.

    Meu blog:
    Tempos Literários

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