Herdeiras do Mar

Como podemos fechar os olhos para a atrocidade, apenas por que ela é incômoda?

Mary Lynn Bracht estreia na literatura com uma obra visceral, triste e, infelizmente, verdadeira. Herdeiras do Mar conta a história do amor entre duas irmãs, Hana e Emiko, em épocas diferentes. Uma em 1943, durante a ocupação japonesa na Coreia, e outra em 2011, durante a Milésima Manifestação da Quarta-Feira.

Hana tem dezesseis anos, é uma haenyeo, uma mulher do mar, uma mergulhadora com autonomia e que ajuda os pais na renda de casa. Sua irmã é a pessoa a quem ela mais ama e para impedir que Emi seja levada pelos soldados, Hana se sacrifica e é transformada em uma mulher de conforto em 1943. Em 2011, Emi vai às Manifestações contra o governo japonês, exigindo uma compensação pelos crimes sexuais de guerra que os japoneses cometeram durante a invasão à Coreia, Emi procura Hana, sua irmã, entre as mulheres ali.

Livros sobre as atrocidades da guerra tem aos montes, mas só recentemente obras sobre os crimes sexuais tem ganhado mais destaque na mídia. Herdeiras do Mar foca nos horrores provocados pelas instalações de escravidão sexual criadas nos países que o Japão invadiu durante a Segunda Guerra Mundial. Como a própria autora fala:
“A lista de mulheres que são estupradas em tempos de guerra é longa e vai continuar crescendo a menos que nós incluamos o sofrimento das mulheres em tempos de guerra em livros de história, que recordemos em museus as atrocidades cometidas contra elas e que lembremos das mulheres e garotas que perdemos com a construção de monumentos em sua honra, como a Estátua da Paz” (p. 295).
O livro traz muitas cenas de estupro, não há como ser diferente diante do assunto, um relato que une o real e o ficcional. É fácil simpatizar com Hana, ela tem algumas ambições: mergulhar mais fundo e por mais tempo que qualquer outra haenyeo, ensinar sua irmã cantar com o pai e talvez se casar com o garoto gentil que vai à banca de peixes conversar com seus pais e sorrir para ela.

Ver esses sonhos serem esmagados pela guerra de uma maneira tão vil e cruel arranca lágrimas e indignação do leitor, os capítulos de Emi ajudam a construir um panorama ainda maior sobre Hana. Aprendemos a amá-la como sua irmã amava e sentimos a ausência dela da mesma forma que Emi.
“Seu rosto paira sobre ela, encoberto pela sombra, e ela preenche o vazio negro com o homem de sua memória. Aquele que a estuprou pela primeira vez e chamou isso de gentileza antes de condená-la a essa vida inacreditável. Vida não, mas um purgatório no submundo” (p. 142).
Um trecho em específico me entristeceu muito, não pelo que foi dito explicitamente, mas pela junção das coisas ditas em diferentes momentos pelas irmãs. Hana fala que é a melhor mergulhadora e que Emi não sabe nadar. Emi fala no primeiro capítulo que atualmente é a melhor haenyeo, mas que nunca pode dividir isso com a irmã, que nunca a viu nadar bem.

Emiko é boa, mas Hana era melhor e nenhuma delas pode compartilhar isso uma com a outra.

Herdeiras do Mar é uma narrativa muito boa, mas muito dolorida, que fala sobre atrocidades que ocorreram e ocorrem, visto que as guerras estão sempre acontecendo. Um livro como esse não pode ser encarado apenas como uma ficção inspirada em algo, ele é um livro denúncia, não existe em um vácuo. Abaixo estão alguns dados para você que vai lê-lo:

- O Japão admitiu que escravizou sexualmente milhares de mulheres em 1993, mas em 2017 retirou essa declaração;
- O Japão fez um acordo com a Coreia do Sul em 2015 para que o assunto sobre “mulheres de conforto” fosse esquecido e nunca mais comentado, exigindo a retirada da Estátua da Paz da frente da Embaixada Japonesa na Coreia do Sul;
- As Estações de Conforto preferiam meninas pré-púbere, já que a possibilidade de engravidar era menor;
- As Estações de Conforto foram criadas após o episódio conhecido como O Estupro de Nanquim, esse episódio foi retratado no livro A Guerra da Papoula de R.F. Kuang;
- Até a publicação de Herdeiras do Mar restavam 16 mulheres vivas que foram escravizadas sexualmente pelo Japão;
- Até hoje, muitos japoneses negam que o Japão tenha cometido esses estupros em massa. Hajime Isayama, mangaká de Attack on Titan é um dos que afirmam que a Coreia do Sul exageram sobre o que ocorreu durante a Segunda Guerra Mundial.

Título: Herdeiras do Mar (exemplar cedido pela editora)
Autora: Mary Lynn Bracht
Editora: Paralela
Páginas: 304
Ano: 2024
Adquira: aqui

5 comentários:

  1. Imagino o quão visceral, dura, triste e revoltante deva ser essa leitura.
    Penso nas Hanas reais. Suas dores, sonhos destruídos...
    E ainda saber que o governo fez questão de apagar as mulheres de conforto da história é de partir o coração

    ResponderExcluir
  2. Aproveite a promoção da Amazon e consegui comprar esse desejado há muito tempo! Sei que vou sofrer a cada página, mas creio que há certas feridas que precisam ser cutucadas ás vezes e este livro deve fazer isso com maestria!!!
    Espero ler em breve e não me desidratar!!!
    Beijo

    Angela Cunha Gabriel/Rubro Rosa/O Vazio na flor

    ResponderExcluir
  3. Oi, Ingrid! Quero tanto conhecer essa história. Por mais que seja um texto difícil de digerir, tamanha dor presente em cada página, é uma obra que denuncia tantas atrocidades cometidas por quem devia acolher. Esses dados chocam e revoltam.

    ResponderExcluir
  4. Ola
    Esse é um livro que traz um tema que até então era pouco divulgado,uma realidade dura ,cruel , triste.Não podemos esquecer essas atrocidades que ocorreu e que ainda ocorrem infelizmente.

    ResponderExcluir
  5. Olá! Eu particularmente gosto muito dos livros que abordam um pouco mais sobre a história da guerra e esse sem dúvida é o mais forte que eu já vi até hoje, ele traz uma leitura para lá de difícil e desconfortável, mas necessária, ainda mais sabendo que em pleno século XXI isso ainda esteja acontecendo.

    ResponderExcluir

Gostou da postagem? Deixe um comentário. Se não gostou, comente também e deixe a sua opinião.
Se tiver um blog deixe o endereço e retribuiremos a visita.
Aproveite e se inscreva nas promoções e concorra a diversos prêmios.