Quando eu li O Holocausto – uma nova história (caso não tenha lido a resenha, pode clicar aqui, por favor), também da editora Vestígio, eu fiquei besta com quão pouca informação nós, simples mortais, temos. Por exemplo, se eu te perguntar o nome de um campo de concentração, qual você me responderia? Posso supor que seja o de Auschwitz? Bom... não te culpo, pois a priori essa seria a minha resposta também. Acontece que Auschwitz é apenas uma pequena ramificação, ínfima, se comparada a outros campos de concentração em número de mortos ou programas de eliminação de judeus.
Sad but true story.
O que eu estou querendo dizer é que com centenas de trabalhos que falam sobre a Segunda Guerra Mundial e o Holocausto, repetindo coisas que nós já sabemos de cor, muitas pessoas acabam perdendo o interesse por outros problemas oriundos da mente doentia de Hitler.
Difícil falar isso sem parecer um “sem coração”, mas vamos lá.
Hitler já havia declarado guerra contra qualquer país que se opusesse ao seu sistema de purificação da raça. A França, mesmo sendo contra os princípios retardados de Hitler, ainda não tinha se manifestado. E por quê? Ora, a França era um país que tinha muito a perder culturalmente.
Enquanto o mundo voltava os olhos para encontrar um jeito de salvar os judeus das mãos de Hitler, alguns poucos juntavam forças para salvar obras de arte. Por isso a França demorou um pouco mais para declarar guerra contra a Alemanha.
Muito antes de a guerra ser anunciada, curadores e estrategistas planejavam meios de remover toda a arte do Museu do Louvre (não só, mas principalmente) para esconderijos ou lugares neutros, visto que o museu era um lugar de fácil acesso e, consequentemente, um alvo fácil de ser identificado pelos mísseis inimigos. Portanto, era preciso um longo tempo de preparação antes da declaração de guerra. Porém, os franceses não dispunham de tanto tempo assim, visto que as tropas alemãs se movimentavam com rapidez pelo continente europeu.
Estava dada a largada para uma corrida contra as tropas alemãs e contra o tempo.
Salvando a Mona Lisa narra com detalhes toda a situação caótica que pessoas de imenso valor moral tiveram que contornar para salvar o Louvre da invasão nazista. Problema é que essa não era uma tarefa muito fácil, “No início do processo de planejamento, ficou claro que simplesmente não seria realista a remoção de todas as obras de arte [...]. Não haveria dinheiro, pessoal, material nem veículos suficientes durante a guerra para transportar tudo, nem locais adequados para o armazenamento. Sendo assim, o primeiro desafio era decidir o que evacuar e o que deixar nos locais”, p.46.
Sem querer parecer clichê, mas já sendo, este trabalho é uma verdadeira aula de História. A princípio, ele descreve como se deu a criação do Museu do Louvre e ao passo que as obras de arte eram transportadas para outros lugares, a autora faz uma retomada da historicidade desses outros lugares, que eram principalmente castelos e mansões, ao mesmo tempo em que conta as dificuldades e problemas encontrados durante o trajeto.
Com uma linguagem acadêmica, mas muito profissional, a autora faz retomadas importantes e descreve situações a respeito de todas as obras de arte possíveis. Desde as mais fáceis de embalar e transportar, até as de suma importância, mas de transporte quase inviável, pois muitas delas eram frágeis demais ou grandes demais. “Cada item foi rapidamente etiquetado com um adesivo colorido, parte do plano formulado anos antes: vermelho para prioridade máxima, verde para o mais significativo em meio ao restante e amarelo para as obras de menor prioridade. As cinquenta e poucas obras mais prestigiosas receberam dois adesivos vermelhos. A Mona Lisa foi a única a ter três adesivos”, p.60.
Verdade seja dita que, mediante tanto protagonismo, a Mona Lisa passa a ser uma mera coadjuvante na história. Ela era fácil de embalar, fácil de transportar e tinha prioridade máxima na hora do embarque. Logo, ela foi acompanhada de perto toda vez que precisava fazer uma viagem. E não foram poucas. Além disso, os personagens principais foram aqueles que arriscaram as vidas e os empregos para proteger artes seculares de imenso valor cultural e também financeiro.
Soma-se também o fato de que os perigos não estavam apenas nas estradas pelas quais corriam os caminhões com as obras. Os curadores tiveram vários problemas nos locais em que as obras estavam armazenadas. Muitos donos desses locais se mostraram receptivos a receber as obras de arte em seus castelos e mansões, mas de hora pra outra mostravam-se irritadiços, argumento que o armazenamento estava danificando partes importantes de suas residências. Além disso, os viajantes tiveram que conviver com chuvas e enchentes que inundavam os castelos e por muito pouco não destruíram as obras de arte.
Aproveitando a situação, a autora faz uma retomada dos processos necessários para manutenção da integridade dos quadros e outras pinturas, afinal era necessário que o local fosse seco e na temperatura ideal para evitar fungos e mofos.
Como se não fossem suficientes todos esses problemas, as obras de arte eram alvo de olhos ganancioso de nomes do alto escalão germânico, inclusive Hitler que, por sua vez, dizia-se um amante da arte, mas fora reprovado no processo de seleção de uma importante escola de arte por três vezes. “Na cabeça de Hitler, ‘origem alemã’ incluía não apenas itens criados ou de propriedade de alguém dentro do grande império alemão, mas também aqueles criados com o suposto estilo alemão. E na cabeça dele, entre obras obtidas de forma ilegal ou duvidosa, encontravam-se aquelas transferidas por meio de tratados que terminaram com as guerras napoleônicas e a Primeira Guerra Mundial”, p.123.
Dessa forma, organiza-se uma comissão que tentará de todas as formas “reaver” ou saquear obras de arte de importância sem igual. O que aconteceu após a invasão alemã a França. Hitler e outros nomes “importantes” tinham seus objetivos (obras) traçados, mas graças a engenhosidade e inteligência dos curadores do museu do Louvre, muita coisa deixou de ser vítima das mãos nazistas.
Em suma, Salvando a Mona Lisa é uma obra que nos traz aos olhos outros vieses consequentes de uma guerra sem noção. O trabalho é dividido em capítulos que acompanham cronologicamente os acontecimentos desde o processo de implantação do plano de retirada, todas as viagens que as obras tiveram que fazer, a invasão alemã, os personagens dessa epopeia, conflitos de interesses e o retorno para o Louvre e outros museus.
A autora é tão boa no que faz que muitas vezes temos a impressão de estarmos lendo não um documentário, mas um romance baseado em fatos: “O dia 26 de agosto amanheceu com um sol luminoso. Os parisienses haviam comemorado durante a noite e estavam ansiosos por mais um dia de festejo. Tropas aliadas continuavam a combater pequenos grupos alemães. À tarde, mais um milhão de pessoas se reuniram para a passeata da Libertação [...]”, p. 283.
Muito frequentemente, as páginas nos dão mais banhos de História com fotos em preto e branco que corroboram, capítulo após capítulo, com o que vem sendo revelado por Gerri Chanel, resultando assim em uma obra que vislumbra um claro trabalho de pesquisas exaustivas sobre mais um episódio importantíssimo da História mundial.
Título: Salvando a Mona Lisa (exemplar cedido pela editora)
Autora: Gerri Chanel
Editora: Vestígio
Páginas: 352
Ano: 2019
Tudo que envolve a Segunda Guerra é fascinante e aterrorizante ao mesmo tempo. E por mais livros que sejam escritos, filmes que sejam feitos, acho que lá no fundo, nenhum de nós saberá de fato, de tudo que houve naquela época.
ResponderExcluirNão eram apenas os campos de concentração(diversos),mas era tudo isso. O perder, o manchar a honra, o roubar na cara dura.
E dá um nó no peito até hoje, mesmo depois de tantos anos, imaginar a luta de tantas pessoas para se salvaram, para salvarem aos amigos e também salvarem um pouco da história, das suas histórias.
Primeira resenha que leio desta obra e com certeza, já vai para a lista dos mais desejados!!!
Beijo
Falou exatamente o que eu penso. Nunca saberemos de tudo o que houve naquela época e cada mínimo detalhe é mais um nó na garganta.
ExcluirUm dos melhores livros que já li. Muito interessante ver a segunda guerra por um ângulo diferente. As coisas que tiveram que fazer, as dificuldades, etc, pareciam um filme.
ResponderExcluirVerdade, Fábio! Esse livro também vai entrar para os melhores do ano está
ExcluirSempre que eu vejo algum livro sobre o Holocausto ou o nazismo eu me interesso. Já li bastante coisa e em cada livro a gente faz uma nova descoberta. Realmente, nós não sabemos quase nada sobre tudo o que aconteceu naquela época. São histórias tristes e emocionantes que devem ser conhecidas.
ResponderExcluirEssa parte da França antes de entrar na guerra eu nem fazia ideia do que aconteceu no Louvre. Quero muito ler esse livro e conhecer toda a pesquisa feita pela autora.
Também sou assim, Nil. Me interesso muito por História, mas as grandes guerras tem lugar cativo no meu coração rsrs Mas, infelizmente, é isso mesmo, são histórias extremamente tristes e cada nova descoberta é de deixar o coração em pedaços. Essa parte da História da França não chega a ser tão emocionante quanto o que houve nos campos de concentração, mas não deixa de ser um momento de extrema importância para o período.
ExcluirOlá! Fiquei tão feliz em saber que esse livro é pura História, adoro livros que narram acontecimentos históricos e principalmente aqueles que a gente desconhece, eu acho tão satisfatório conhecer mais sobre esses acontecimentos. A História sempre me fascina, porque sempre tem mais coisas para aprender!
ResponderExcluirSe não fosse pela sua resenha, eu nunca saberia sobre essa questão do Louvre.
Por mais livros assim, que mesmo se tratando de assuntos conhecidos, abordem fatos, histórias que poucos conhecem.
Fiquei super curiosa com a premissa do livro, quero muito ler, pois parece uma obra muito bem construída.
Muito obrigada pela indicação! Beijos!
Olá, Rayssa. O livro por inteiro é interessantíssimo. E conhecer essa parte da guerra é tão satisfatório quanto ler sobre o holocausto em si.
ResponderExcluirOiii ❤ Toda vez que pensamos na Segunda Guerra tem palavras chaves que vem na nossa cabeça, como Holocausto, Hitler, bombas atômicas, etc, mas dessa vez a autora resolveu não só abordar isso, mas falar das obras que corriam risco no Museu do Louvre e isso foi o que mais me deixou fascinada pela obra. Ela resolveu falar sobre algo que você não aprende nas escolas e não ouve falar por aí.
ResponderExcluirEsse livro parece uma completa aula de História, o que só me faz querer ler ainda mais esse livro, pois essa é a minha matéria favorita.
Vai ser bom saber mais sobre a guerra e o que estava acontecendo durante ela com detalhes e saber mais sobre o interesse dos franceses em proteger as obras do Museu do Louvre.
Adorei a indicação de leitura. Beijos ❤
É exatamente assim, Rayane. Falamos em segunda guerra, pensamos em Hitler e Holocausto. Mas há muito mais coisas por trás dessa guerra. Se vc gosta de História, tenho certeza que vai gostar desse livro.
ResponderExcluirEu acho esse tipo de livro bastante interessante e importante para a população em geral, mas sinceramente saber que possui uma linguagem mais academica me afasta como leitora, assim como sei que também afasta diversas outras pessoas.
ResponderExcluirOi, Marcos
ResponderExcluirLendo sua resenha me lembrei de várias aulas de história que tive no segundo grau, minha professora na época explicou o que França fez para esconder seu patrimônio.
Desde que vi o lançamento desse livro eu já coloquei na lista de desejos, adorei o enredo. Amo história e sei que vou gostar muito do livro que tem muitos detalhes.
Beijos